quarta-feira, 13 de abril de 2011

Sobre Linguagens

   A Linguagem verbal é muito falha: é a mais falha de todas, porque está distanciada do objeto a que se refere. Ela não é o objeto a que se refere, tampouco o conceito; é uma representação. Uma palavra é um signo, um código visual ou sonoro, que representa uma idéia, idéia esta que por sua vez é o conceito da coisa a que se refere. Porém, não se trata dessa coisa, a coisa em si. É como no seguinte esquema:


   Código Material (palavra escrita ou dita) ---- Conceito (imagem mental) ---------- Coisa em si.

   Percebe-se que há três níveis hierárquicos envolvidos nesse processo, e pode haver ainda mais, dependendo das intenções na manipulação da linguagem verbal. De qualquer modo percebe-se a distância que há entre as duas extremidades. A pintura está no mesmo nível que a palavra - porque também representa. Quando se pinta uma árvore, o resultado disso, o quadro (ou seja qual for o suporte), é uma representação de uma árvore, que por sua vez expressa a idéia de árvore, que é uma coisa abstrata enquanto idéia, e portanto referente ao repertório humano, subjetivamente. Porém não se trata de uma árvore. Assim como quando eu digo a palavra árvore, o som da palavra, o signo material - porque as ondas sonoras são materiais -, esse resultado material não pode nem mesmo ser confundido com o conceito (tampouco com a coisa em si, pois não é a árvore). Trata-se tão-somente da representação codificada do conceito de árvore.
   A outra grande linguagem, a música, é a que mais se aproxima do profundo e real significado situado na outra extremidade - de fato, ela o é, não representa nada. Quando se toca a nota dó, esse dó simplesmente é dó, não representa nenhuma outra coisa, tampouco precisa passar por um nível intermediário de referenciação. Não é uma representação, é algo pronto por si.


Nota Dó (tocada, em suporte material, ou seja, viajando pelo ar em ondas sonoras até atingir um ouvido) ----------------------------------------->>>> Nota Dó (na cabeça do receptor).


   Diferentemente da linguagem verbal, a linguagem musical é bifásica, só tem dois estágios. Tenha em mente o leitor que o signo verbal "dó", escrito ou falado, está distanciado do objeto a que se refere, por ser de natureza verbal e se tratar de uma mera palavra como as outras. Mas quando se toca um dó em um instrumento qualquer, o que se ouve, o que se tem, o material que chega aos ouvidos e consequentemente ao cérebro, é a própria coisa, algo que não se pode definir com palavras - talvez com números que especificassem frequências em alguma medida. Assim como uma cor: não se pode definir uma cor, exceto por números muito precisos e cálculos complexos. A cor, quando se vê, é ela própria, não passa por nenhum nível hierárquico. Tente explicar alguma cor a um cego.

Cor Qualquer (emanando de algum lugar)-------------------- Cor qualquer (no cérebro do receptor)

   Portanto, a música é, a palavra representa, e a pintura representa. Por não representar, a música é a primeira arte.
   A arte de menor valor é a atuação, por se tratar da arte da mentira. Trata-se de mentir com convicção, e acreditar na mentira. É o pior tipo de representação, porque além de sons e imagens, lida também com coisas relacionadas ao ser humano num sentido comportamental. Talvez a concepção da coisa não seja tão ruim, mas do ponto de vista do ator em si - o(a) artista que exerce tal arte -, trata-se de um grande mentiroso. O ator é uma pessoa que mente tão bem que convence a todos, mente tão bem que convence até a si próprio. Convence a todos com suas macaquices humanas, os trejeitos, a retratação social - mas esta muito idealizada, falsa, agüada e forçada. A música é um poder que simplesmente sai, como uma explosão; não é uma tentativa de farsa que deixa muito a desejar. A música não deixa nada a desejar. A música é a coisa mais impactante disponível aos humanos, por estar em contato direto com a pura essência misteriosa e universal de onde vem.

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