segunda-feira, 11 de abril de 2011

Sobre o Brasil

   Ao longo dos séculos, o povo brasileiro organizou-se em função dos costumes e ações in-loco, hábitos repetidos diariamente e sobre cuja real utilidade pouco ou nunca reflete, de modo a adquirir um caráter sobremaneira determinado por ações no plano físico, em vez de determinar-se por algum tipo de apelo mais submerso e escondido pelas camadas externas, algo assim não facilmente encontrável na realidade, e imperceptível a olho nu - talvez algum tipo de essência intimamente coletiva, códigos filosóficos socialmente difundidos, condutas mais silenciosas e obsevadoras, atitudes de rompimento de padrões, irreverência etc.
   Grande prova disso é a língua brasileira: simplificada, pouco reflexiva, cheia de estruturas prontas, discursos arranjados, fornecidos. Tudo isso justamente para facilitar o funcionamento harmonioso dessa engrenagem social tão condicionada, algo como a graxa de um motor, o lubrificante no contato entre diversas peças de um mecanismo complexo. Ser brasileiro é como seguir uma receita culinária, uma cartilha pronta que fornece os ingredientes e as instruções de como usá-los: quando dizer tal frase, como agir em determinada situação. E vai muito além disso. O costume social é de tal modo arraigado nesta cultura, e tão arbitrário, que fornece as exatas palavras, as exatas estruturas, as exatas formações discursivas, admitindo pouca variação e pouca margem de inserção subjetiva.
   Não sendo ainda suficientes as cartilhas linguísticas e comportamentais, o espírito brasileiro regulamenta e legisla, ainda, sobre os sentimentos humanos, invertendo sua ordem vetorialmente natural: emanam-se de fora para dentro, do meio externo em direção aos universos pessoais internos dos indivíduos em compasso com essa cultura. A espontaneidade dá lugar, indiferente, à coerção. Sente-se pela obrigação de sentir-se, o que deveria ser humanamente inaceitável.
   No Brasil, há um estado aflorado de emoções - muitas vezes nada sinceras, mas sempre presentes, demonstráveis, encontráveis. Nestas terras, não é necessário realmente sentir para se expressar qualquer coisa.
   Entre as demonstrações mais recorrentes, está a de indignação: o típico brasileiro fica facilmente indignado, na defensiva, como se violado ou ofendido, fazendo-se de coitado. Não é difícil entenderem-se a causa e origem disso. Os séculos de miséria entre a grande maioria da população calejaram sua alma, ensinando-lhe estratégias de inversão psicológica, jogo reverso, tudo com um jeitinho bem perspicaz e malandro que visa, se não resolver, ao menos diminuir um pouco a sensação de abandono que inicialmente a pungiu. Mas atualmente assiste-se à gloriosa ascensão do brasileiro, sua coroação, sua premiação tão esperada, e este definitivamente não é mais coitado, tampouco abandonado - encontrou seu herói, seu representante, sua voz, e tudo parece ir bem para si. Só não mudou a essência.
   Minha Incompletude Brasileira me impede de ser mais linguisticamente destro e fluente, e me transforma, para longe do dono, em um mero apropriador bastardo da língua que uso, não importando o esforço, nem a escolaridade, nem a insistência. É inútil nadar contra a maré, e se por um momento se insiste em dizer todos os plurais, em articular bem certos fonemas, logo se sofre a repressão do rebanho.
   Se fosse possível estabelecer-se matematicamente uma taxa que medisse o grau ou fluxo de informação transmitida dentro de um segundo em determinada língua, ou comunidade linguística, creio que, em lugar superior ao dos brasileiros, estariam os falantes da língua inglesa (perdoe o leitor o meu miserável conhecimento de línguas, conhecendo apenas, além das variantes da minha, a outra recentemente referida, de modo que não posso imaginar como se daria o caso entre os orientais, africanos, nativos das américas ou outros quaisquer). Estou certo de que os anglófonos, em qualquer de suas variantes, são capazes de transmitir um fluxo maior de informações em um segundo do que eu, em um sentido meramente instrumental de língua, ou seja, das possibilidades que ela naturalmente propicia em seus inúmeros arranjos lógicos e fonéticos, que podem favorecer ou dificultar a capacidade de se transmitir o pensamento.
   O fluxo de transmissão do pensamento está prejudicado no português do Brasil - e o afirmo como nato conhecedor desta língua. Ao lado da língua inglesa, no que se refere à facilidade de transmissão do pensamento, colocaria a língua portuguesa falada em Portugal, cuja fonética extremamente bem-organizada e funcional favorece o rítmo e constância da fala. Os brasileiros são pouco linguisticamente destros em grande parte devido ao fato de não possuírem aquele sotaque peculiar aos portugueses, além de certas estruturas sintáticas.
   Há no Brasil muita gente de pouca ou nenhuma instrução racionalizante, gente guiada por emoções afloradas de natureza ilusória que transformam indivíduos de certa idade em seres de mentalidade infantil e fantasiosa.
   Ainda há pouco ouvia, daqui do quarto, minha avó, na cozinha, materializar verbalmente ilusões infantis por meio de exclamações suspirosas: "A vida isto, a vida aquilo...Meu Senhor, por que tem de ser sempre assim?". Verifica-se materialmente que ela se dirigia a uma entidade fantasiosa como pressuposto interlocutor.

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