quarta-feira, 13 de abril de 2011

Um adendo à idéia de artes cênicas como uma arte mentirosa

   Poderíamos desenvolver mais essa idéia de artes cênicas como uma "arte mentirosa", inclusive mostrando um outro lado aí. Talvez seja o caso de dizer que a representação também pode ser considerada como uma coisa em si. Evidentemente, não a coisa em si a qual ela se refere, quer dizer, que ela representa, mas uma outra coisa, que pudesse, sim, adquirir um efeito tal como o do som ou o da cor, ou seja, como um elemento assimilado de forma direta.
   Perguntaram numa entrevista ao diretor Gerald Thomas se hoje em dia o teatro ainda valia a pena, se ele gostava de fazer, se via algum grande significado naquilo, algo nessa linha. De qualquer modo, a resposta dele foi que atualmente nem sentia mais prazer com o teatro, e se justificou com o argumento de que essa forma de arte possuiu real importância somente no passado (anos da ditadura, por exemplo), o que, ainda segundo ele, se devia ao fato de hoje existirem outras mídias (ele citou a internet) com maior eficácia para proporcionar o mesmo tipo de experiência que, em outra época, era o teatro o grande responsável por proporcionar. O tipo de experiência, no caso, seria o de dar vazão a certos anseios pertinentes às camadas marginalizadas da sociedade, furando bloqueios impostos pela ordem formal, conservadora, e garatindo, com isso, um tipo de fluxo do pensamento libertador. Desse modo, o valor do teatro dar-se-ia exclusivamente ao fato de ser o espaço em que, com mais força, se podia exercer essa finalidade artística de caráter contestador, fosse para protestar contra o regime militar, fosse para questionar dogmas de quaisquer outros setores, políticos ou não.
    Então, por mais que num determinado âmbito de análise, coloque-se, por exemplo, a relação entre o personagem (vamos supor, um cachorro) e o ator (um ser humano) como uma relação de mera representação (o ser humano representando o cachorro), o fato é que, em um outro âmbito de análise, o simples ato de se colocar de quatro e emitir um som de "au au" pode ter um significado próprio (a cena de um homem de quatro emitindo o som de "au au"), ainda que remeta a uma cena que não está realmente ocorrendo (um cachorro latindo de verdade). Há, na verdade, uma intenção ali que não é meramente a de despertar no interlocutor a idéia de cachorro latindo, mas de transcender esse simples mimetismo para uma esfera em que as conseqüências reais do ato em si, perceptíveis em primeira mão, já fazem parte da arte dramática como um todo, que é o que se pretende realizar a princípio. Nessa ótica, talvez não tivéssemos de nos ater tanto à possibilidade de estarmos diante de um vampiro de verdade (pois até podemos saber que não passa de uma interpretação feita por um ser humano), mas nos ater à possibilidade de esse vampiro interpretado por um ser humano ser uma crítica direta a alguma coisa, ou seja, de ser esse vampiro falso um veículo material para uma mensagem verdadeira, que se elucida como coisa em si na cabeça de quem está percebendo a crítica, ou o que quer que aquilo queira transmitir.

2 comentários:

  1. Reordenação, representação, recolocação de idéias e pensamentos...não podemos nos ater só a isso. Existe, ao menos em nosso nível dimensional, a idéia de realidade contida num processo gerador-construtor-destruidor. Também não se pode, ao menos ao meu ver, deixar que a temporalidade passe...podemos nos tornar vítimas de nossas próprias paranóias, no processo. Sou mais Descartes, que cunhou a máxima que vc já conhece, passível de ser citada aqui. Quanto à representação, em si, concordo. Talvez, e aqui coloco quase certeza, o antigo teatro grego, do qual derivam
    todas as outras representações, mundanas, falsas, verdadeiras tenha desvendado o mistério.

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